Entrevista 02 – Português
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Agroflorestas: negócios de recuperação que valem a pena

Conheça como atuam a Belterra e a Caaporã, startups originadas e incubadas com fomento e investimento do Fundo Vale, bem como alavancas da estratégia de impacto esperado do Compromisso Florestal Voluntário 2030 de sua mantenedora, a Vale.

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Para alcançar o desafio de recuperar e proteger 500 mil hectares de florestas brasileiras até 2030 é necessário unir forças e co-construir os modelos, que serão referências, com ”agentes-chave”do ecossistema. Mais do que um desafio, este movimento é um pacto com a sociedade firmado pela Vale com a intenção de gerar impacto socioambiental positivo, que já está em plena ação liderada pelo Fundo desde 2019. São negócios que não fogem à lógica de mercado, mas trazem benefícios ao meio ambiente, à sociedade e à Vale.

O objetivo é proteger 400 mil hectares de floresta e recuperar 100 mil hectares de áreas degradadas. O diferencial desse Compromisso Florestal Voluntário é ir muito além de plantar árvores. Tem também como intenção clara, por meio de um modelo produtivo sustentável baseado em sistemas agroflorestais (SAFs), silvipastoris e fruticultura orgânica, melhorar as condições econômicas e sociais de toda cadeia envolvida: desde o pequeno produtor, que está na ponta, até o consumidor final, que pode ser você.

Mas como fazer para atingir uma escala tão grande? Que empresas aceitariam um desafio deste tamanho? Pois é! Não existia no mercado algo preparado para tal demanda. E, assim, inicia a jornada do Fundo Vale de fortalecimento do ecossistema de negócios de impacto socioambiental, como apoio à criação, à incubação e ao desenvolvimento de duas, das cinco, startups agroflorestais que hoje compõem o portfólio de negócios criado para atender às demandas desse arrojado compromisso. Nascem, então, a Belterra e a Caaporã, que, junto às outras iniciativas, já implementaram 1.053 hectares em 2020, como prova de conceito da tese de negócios de impacto socioambiental do Fundo Vale.

Nesta entrevista, trazemos Valmir Ortega, sócio-fundador da Belterra Agroflorestas, e Luis Fernando Laranja, sócio-fundador da Caaporã. Vamos saber um pouco mais sobre como tem sido este processo de desenvolvimento das empresas junto ao fomento e ao investimento do Fundo Vale, como foi o início das operações, os desafios com a pandemia, a importância do investimento flexível e a mensuração de impacto.

Comente sobre a importância dos sistemas agroflorestais e silvipastoris diante de um planejamento de impacto socioambiental positivo em escala, como é o caso do Compromisso Voluntário Florestal 2030 da Vale, por favor.

Valmir Ortega – A Belterra é uma empresa de parcerias rurais. O nosso modo de operação é estabelecer elo com produtores para recuperação de áreas degradadas e implantação de agroflorestas. Essa solução foi pensada justamente por combinar um conjunto de impactos positivos do ponto de vista ambiental e social, com conexão com a biodiversidade, proteção de solo e água, além da formação de estoque de carbono. Ou seja, trata-se de um conjunto de aspectos ambientais relacionados que prestam e ofertam serviços ecossistêmicos à sociedade. São paisagens produtivas compostas por produtos agrícolas e florestais, as chamadas agroflorestas, que conseguem trazer essa mescla de atributos para áreas que estavam degradadas.

A Belterra converte áreas de pastagens degradadas em agroflorestas, de forma a combinar uma série de benefícios e impactos socioambientais positivos, trazendo também valorização do pequeno e do médio produtor. Ou seja, o processo leva mais tecnologia, capital, investimentos, além de oportunidades de comercialização e integração comercial.

Os sistemas agroflorestais da Belterra ainda estimam uma taxa de retorno em torno de 20% ao ano, para a empresa. No total, foram implantados pela Belterra 704 hectares, contabilizados no Compromisso Voluntário Florestal, entre 2019 e 2020. Devemos atingir 2.200 hectares de áreas recuperadas em 2021.

E, neste ano, mais de 200 trabalhadores temporários se engajaram com a nossa meta, ao passo que teremos aproximadamente 1.500 hectares de cacau cultivados, por exemplo. Temos como estimativa que, a cada cinco ou 10 hectares de cacau, será necessário um trabalhador permanente. Isso significa cerca de 150 postos fixos nos próximos anos. Vale dizer que o plano de negócios da Belterra, focado em 2030, é de 40 mil hectares com produção total de cacau (gerando entre 60 e 80 mil toneladas por ano), o que representa cerca de 4.000 empregos fixos. Trata-se de uma atividade altamente empregadora e distributiva, do ponto de vista da renda. Hoje, na operação, há 21 imóveis rurais em quatro estados – Rondônia (2), Pará (2), Bahia (6) e Minas Gerais (11).
Os sistemas agroflorestais da Belterra
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Luis Fernando Laranja – Nós, da Caaporã, ao longo dos últimos anos, vimos o desenvolvimento de uma tese de integração da produção de diferentes proteínas animais com o sistema agroflorestal. A primeira iniciativa que trabalhamos foi a do leite, por intermédio da Guaraci, operação que se iniciou em 2017 e hoje está madura. A meta era conseguir a certificação de bem-estar animal e de carbono neutro. A integração do sistema agroflorestal, com este exemplo do leite, nos proporcionou atingir dois critérios: bem-estar animal e sequestro de carbono, bem como a neutralidade deste último. E, dessa forma, conseguimos três tipos de certificações – de orgânico, de bem-estar animal e de carbono neutro. Foi desta iniciativa que surgiu o embrião de alguns projetos – e foi quando entrou o apoio do Fundo Vale, visando também outras espécies animais. Então, desenvolvemos projetos pilotos com suínos, aves (frangos) e bovinos (gado de corte e leiteiro). A Caaporã começou já com o apoio do Fundo Vale, sendo esta parceria fundamental em termos estruturais.

Dentro do nosso objetivo no Compromisso Voluntário Florestal, até 2020, o trabalho da Caaporã atingiu 350 hectares recuperados – e, em 2021, a meta é de 1.500 hectares. Ao todo, cinco produtores rurais (organizações) estão envolvidos diretamente neste processo.

Como o cultivo de árvores (componente arbóreo) torna-se prática indispensável para o desenvolvimento de atividades no campo de forma mais sustentável?

Valmir Ortega – Eu acho que o principal desafio no Brasil para o desenvolvimento de modelos agroflorestais, modelos com árvores como elemento produtivo na propriedade rural, está relacionado com a nossa cultura imediatista. Ou seja, nós, brasileiros, de uma forma geral, seja na cidade ou no campo, temos uma visão de curto prazo para fazer negócios. Tudo tem que ser imediato e muito rápido. Na Belterra, tentamos desenhar modelos produtivos com sistemas agroflorestais que comecem a produzir a partir do primeiro ano. O motivo é justamente para enfrentar essa barreira cultural que temos no país: visão de curto prazo de receita, de renda e de oportunidade econômica. Assim, criamos uma cultura no meio rural de espécies de ciclo curto, com culturas que demandam de três meses a, no máximo, um ano para a colheita, como milho, soja, feijão, arroz, amendoim e mandioca. Mas, do ponto de vista do modelo, como um todo, precisamos de uma visão de médio e longo prazos. Falamos do cacau, do açaí, do cupuaçu, espécies que entrarão no melhor da sua produção e do seu equilíbrio a partir do quinto ou do sétimo ano de cultivo.

Outro ponto é que modelos que envolvem sistemas produtivos arbóreos exigem um investimento maior no começo e demoram um tempo maior para gerar uma receita consistente. Portanto, o custo de investimento no início da operação é muito maior e o tempo do giro financeiro da atividade é menor. Isso exige um investimento diferente, uma necessidade de capital diferente – afinal, nem todos os agricultores podem esperar.

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“A lógica é sempre achar razões diversas para se plantar uma árvore. No fim das contas é isso: a nossa obsessão é plantar árvores. Plantamos por convicção e criamos um modelo que também faz sentido do ponto de vista econômico”

Luis Fernando Laranja,
sócio-fundador da Caaporã

Luis Fernando Laranja – Agregar também o cultivo de árvores tem múltiplos objetivos: vai desde o sequestro de carbono ao apoio à biodiversidade e à conservação de recursos naturais. Vale dizer que algumas árvores têm dupla ou tripla finalidades. Por exemplo, nós apostamos uma parte do plantio no abacate, que tem tripla função, pois ele produz abacate (que é uma função econômica, já que podemos vender a fruta), por ser uma árvore frondosa e bem estruturada, o abacateiro gera sombra, o que traz bem-estar animal, e ainda ajuda no sequestro de carbono, uma vez que se trata de uma árvore robusta e de longo prazo, fatores essenciais para viabilizar o sequestro de carbono. Mais um exemplo: nós plantamos uma diversidade de eucaliptos (temos cerca de 15 variedades disponíveis), de modo que, ao plantarmos três tipos de eucaliptos diferentes em uma propriedade,eles tenham floração em épocas distintas. Concomitantemente, temos uma pequena produção de abelhas na fazenda – gerando produção de mel.

Desse modo, os eucaliptos geram sombreamento e sequestram carbono, assim como eles também têm um efeito sobre a produção de mel. A lógica é sempre achar razões diversas para se plantar uma árvore. No fim das contas é isso: a nossa obsessão é plantar árvores. Plantamos por convicção e criamos um modelo que também faz sentido do ponto de vista econômico.

“Esse tipo de investimento do Fundo Vale é muito importante. Afinal, trata-se de investimento que prioriza o impacto, é paciente e com maior exposição ao risco, determinante para criar esse tipo de negócio”

Valmir Ortega,
sócio-fundador da Belterra

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Como o investimento de impacto vindo do Fundo Vale trouxe transformações para a operação de sua empresa?

Valmir Ortega – No caso da Belterra, foi determinante, afinal tivemos um capital semente, com aporte de R$10,5 milhões para a implementação do Compromisso Voluntário Florestal, em 2019 e 2020. Para 2021, firmamos um novo fomento de R$25 milhões. Somos uma empresa nascente que demonstrou um enorme potencial do impacto do negócio, mas não tínhamos um histórico anterior para levantar capital. Então, esse tipo de investimento, como o aporte do Fundo Vale, é muito importante. Afinal, trata-se de investimento de impacto, paciente e com maior exposição ao risco, determinante para criar esse tipo de negócio. Então, se formos pensar no desafio do Brasil, de restaurar 12 milhões de hectares, de criar novos negócios ligados à cadeia florestal, precisaremos de mais investimentos como este. Ou seja, novos fundos, para além do Fundo Vale, que tenham a disposição de se expor ao risco do novo negócio. Vale dizer, novo negócio não apenas no sentido de que foi criado recentemente, mas também no que diz respeito às cadeias novas de empreendimentos que serão estruturadas e, portanto, com alto grau de incerteza e com aspectos a serem estruturados. É necessário ter condições financeiras adequadas de juros e de expectativa de retorno, um equilíbrio entre retorno e impacto. Afinal, trata-se de um dinheiro com fins lucrativos e que pode gerar mais impacto.

Destaco ainda que fizemos também uma captação com a Good Energies Foundation (Suíça) e estamos com negociações avançadas com um fundo de investimento de impacto brasileiro e com um fundo climático americano, para rodadas de investimento ainda neste ano. São fundos voltados ao clima, à redução de emissões de GEE [Gases do Efeito Estufa] e à busca de soluções baseadas na natureza. Este é o nosso público investidor, prioritariamente. Importante também ressaltar, sobre a viabilidade dos nossos negócios, que os modelos de SAF da Belterra prevêem o break even [o ponto de equilíbrio entre o custo total e a receita total] para o terceiro ano de implementação.

Luis Fernando Laranja – Entre todos os aspectos, destaca-se o impacto ambiental aliado ao impacto social. Desse modo, o impacto ambiental é muito lógico, pois, com o apoio do Fundo Vale, demos um passo adiante na operação que já tínhamos com o leite, por exemplo – que culminou com o lançamento do NoCarbon Milk, neste semestre. Pudemos incrementar o plantio de árvores e acelerar o processo de neutralização de carbono. Ainda: esses modelos estão se comprovando viáveis nos pilotos que desenvolvemos no ano passado com o Fundo Vale, facilitando o engajamento dos produtores. Por exemplo, estamos finalizando uma parceria com seis pequenos produtores de leite que toparam entrar em um plano de certificação de carbono neutro. Assim, temos como perspectiva de impacto social a disseminação desse modelo produtivo para pequenos produtores, de modo a gerar melhor oportunidades de renda no campo. Quanto à viabilidade e o desenvolvimento das atividades e dos projetos da Caaporã, é importante dizer que cada uma apresenta um tempo específico para atingir o break even. Por exemplo, as atividades relacionadas ao leite devem atingir este ponto até o final de 2021, já as demais devem atingir o break even dentro de dois ou três anos. Além do investimento feito pelo Fundo Vale, hoje estamos também dialogando e recebendo aportes de outros fundos.

Quais são os impactos que a Belterra e a Caaporã, em sua atuação com o compromisso florestal, trazem à sociedade em meio à pandemia?

Valmir Ortega – Acredito que houve vários aspectos relacionados a isso. Tivemos que aprender a trabalhar remotamente e, portanto, houve uma reeducação em nossa equipe, que teve que acontecer rapidamente – processo que aconteceu com a Belterra e a Caaporã. Estávamos criando a empresa e expandindo a operação simultaneamente. E essa readaptação continua, a pandemia não acabou. Diante das restrições com mobilidade, criamos condições de mobilizar redes de confiança, redes de parceria que nos permitissem atuar em determinados territórios sem irmos presencialmente. Isso exigiu que acelerássemos esses formatos de trabalho descentralizado, contratando prestadores de serviços de qualidade e estabelecendo parcerias locais. Desde o início da Belterra, optamos por trabalhar em quatro estados diferentes – Rondônia, Pará, Bahia e Minas Gerais – e essa escolha já exigiria da empresa um modelo descentralizado. A pandemia radicalizou isso: exigiu que já entrássemos operando dessa forma, sem tempo de preparação. Foi um aprendizado e uma exigência muito maiores, em termos de velocidade e intensidade. Mas nos adaptamos bem. Por outro lado, houve um aspecto positivo: a crise criada pela pandemia tornou mais evidente os riscos ambientais e climáticos que temos no planeta. Consequentemente, tornou mais urgente o engajamento de empresas e investidores para criar e apoiar soluções que minimizem ou mitiguem esses riscos. Assim, soluções como as da Belterra passam a ser atrativas.

Luis Fernando Laranja – Não há como separar o social do ambiental em nossa atuação. Estamos em uma fase inicial, começamos no ano passado, contudo a nossa perspectiva é sempre incluir o agricultor familiar no processo. Ou seja, o que queremos é consolidar o projeto piloto e espalhar essa tecnologia, que é de plataforma aberta (pública). Neste sentido, estamos estabelecendo um convênio com a Embrapa para análise de ciclos de vida e emissão de carbono em leite orgânico. Seremos o primeiro modelo de fazenda orgânica de leite no Brasil que terá esse tipo de análise. E a nossa plataforma pode ter outro elemento importantíssimo de impacto: a geração de conhecimento público.
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NoCarbon Milk
A Caaporã, em parceria com a fazenda Guaraci Agropastoril (localizada dentro da Fazenda do Toca), lançou neste trimestre o NoCarbon Milk. Trata-se do primeiro leite carbono neutro no Brasil, feito a partir de sistemas agropastoris e repleto de valor agregado devido ao cultivo de árvores e à proposta silvipastoril. Ainda: o leite carrega três certificados: orgânico, bem-estar animal e carbono zero.

 
Adequação ao contexto brasileiro

O Brasil tem mais de cinco milhões de estabelecimentos rurais, formados por famílias de agricultores que, na maioria dos casos, sofre com a falta de acesso ao capital, ao conhecimento e à tecnologia, além de barreiras quanto às condições de comercialização mais justas e mais transparentes. Em sua atuação, junto a pequenos e médios produtores, a Belterra oferece três tipos de contratos a estes agricultores:

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A recuperação de áreas degradas através de negócios de impacto socioambientais

A partir do objetivo do Compromisso Voluntário Florestal, para recuperação de 100 mil hectares de áreas devastadas, o Fundo Vale criou, incubou e desenvolveu duas startups para atender à demanda: a Belterra e a Caaporã. Trata-se de uma proposta de SAFs em escala alta, inédita, inovadora e muito desafiadora. Para atingir o Compromisso Voluntário Florestal, a estratégia foi iniciar com a prova de conceito, que, em 2020, chegou a 1.530 hectares plantados e, em 2021 está sendo escalado para atingir mais cinco mil hectares até o fim ano (ou seja, 1 para 5). E, assim, seguindo em escala crescente, até atingir 100 mil hectares de áreas recuperadas em 2030, além de trazer benefícios socioambientais a toda cadeia envolvida.

Expectativa de áreas recuperadas para 2021
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