Para que os investimentos cheguem na ponta, painelistas do FIINSA defendem que é preciso inovar na alocação de recursos e criar relações de confiança entre investidores e empreendedores das comunidades amazônicas
No segundo dia de painéis do FIINSA, o foco dos diálogos no auditório principal foi a busca de soluções para expandir os investimentos de impacto nas comunidades amazônicas. A importância de inovar nos modelos de investimento, a necessidade de cooperação e transparência entre investidores e empreendedores e a criação de pontes entre pequenos negócios e os fundos de investimento foram alguns temas abordados.
“Muitas vezes a ausência de investimentos é atribuída à falta de um pipeline de negócios ou à insuficiente atualização dos empreendimentos em relação aos padrões do mercado. Será que não é o mercado que tem que se ajustar ao padrão ou aos desafios que os negócios locais enfrentam?”, provocou Mariano Cenamo, cofundador do Idesam, ao iniciar a rodada de debates.
Da filantropia ao mercado
Foto: Take/FIINSA
O painel Investimentos de Impacto na Amazônia: da Filantropia ao Mercado explorou os caminhos para promoção de investimentos efetivos, duradouros e com impactos socioambientais significativos. Com moderação de Cenamo, o debate contou com Gustavo Luz, diretor executivo do Fundo Vale; Ilana Minev, presidente do Conselho de Administração da Bemol; Joanna Martins, presidente da Manioca e Juliana Okuda, gerente de Inovação da Ajinomoto.
Gustavo Luz falou sobre a importância de mecanismos financeiros inovadores com participação do capital filantrópico para fortalecer o investimento de impacto na Amazônia. Segundo ele, a filantropia pode dar o primeiro passo para abrir caminhos, mas, para escalar e consolidar os negócios, é necessário atrair capital de investimento tradicional.
Ele defendeu o modelo de blended finance, que combina filantropia e capital de mercado para incluir o investimento de impacto no binômio risco-retorno tradicional. Para ilustrar, Luz falou sobre a experiência do Fundo Vale com a Belterra, que faz parte do programa Meta Florestal Vale 2030, na qual o capital filantrópico inicial permitiu à startup testar modelos de negócios até que pudesse atrair investimentos privados e alcançar independência financeira.
“O Fundo Vale tem se empenhado em desenvolver soluções que permitam ajustar o capital às necessidades dos projetos, em vez de adaptar os projetos às estruturas tradicionais de capital. Além disso, ajudamos a destravar capital de maior escala, incluindo fundos multilaterais e privados, para que possam ser direcionados de forma mais eficaz ao desenvolvimento de negócios de impacto na região”, completou.
Os painelistas também debateram as dificuldades enfrentadas no relacionamento entre investidores tradicionais e os empreendedores locais. Joanna Martins compartilhou sua experiência sobre os desafios de se negociar com investidores que muitas vezes não compreendem as especificidades da Amazônia. “Não falta capital e não falta empreendedor, o que falta, talvez, seja conhecimento e vontade de se relacionar”, pontuou.
Juliana Okuda enfatizou que é necessário que o mercado tenha uma visão mais empática da Amazônia: “Aqui tem seca, a acessibilidade é difícil, a logística é complexa, a qualidade de vida das pessoas e o nível de educação são baixos, então não dá para ter a mesma métrica para um negócio que acontece nos Estados Unidos ou na Europa em um negócio da Amazônia”, declarou.
Ilana Minev falou sobre a importância de fomentar o empreendedorismo local, com parcerias e investimentos que tragam benefícios diretos às comunidades, inclusive por meio de desenvolvimento de novos negócios na região. Ela destacou que a Bemol tem investido em iniciativas voltadas à infraestrutura e à economia local, como soluções logísticas e fornecimento de internet em áreas remotas.
Repensando a lógica dos investimentos de impacto
Foto: Take/FIINSA
No segundo painel, Felipe Russo, cofundador da Meraki Impact; Roberto Mendonça, proprietário da da Pousada do Garrido; Valmir Ortega, CEO da Belterra e Maria Laura Florido, gerente de investimento da Impact Earth, sob moderação de Marcus Bessa, do Impact Hub Manaus, discutiram os desafios e adaptações possíveis para que o investimento de impacto realmente alcance a Amazônia.
Roberto Mendonça, caboclo ribeirinho da comunidade Tumira, localizada na Reserva do Rio Negro, expôs dificuldades de quem empreende na floresta, que são agravadas em situação de seca extrema. “A gente empreende na raça. Nosso empreendimento gera renda para 25 pessoas. Cada pessoa, mais ou menos, tem dois ou três dependentes que vivem dessa renda. Quando você passa três meses sem receber, tanto você quanto as pessoas que vivem do seu negócio ficam frágeis”, disse. “Acho que a floresta tem tudo para nos dar, mas precisamos saber usá-la de forma sustentável. Até 2010, fui madeireiro, então vivia do mato de uma forma. Hoje, continuo dentro da floresta, mas com outros olhares”, pontuou.
Valmir Ortega falou sobre a parceria com o Fundo Vale para a criação da Belterra impulsionada pela Meta Florestal 2030 da Vale, que inclui o compromisso voluntário de recuperar 100 mil hectares de áreas por meio de sistemas sustentáveis que geram impacto socioambiental nas comunidades locais. Ao longo dos últimos anos, a empresa se consolidou no mercado como benchmark na implementação de soluções agroflorestais em um modelo de negócio que dá segurança a pequenos e médios produtores e estimula a bioeconomia ao longo da cadeia.
Ortega compartilhou sua experiência em captação de recursos e ressaltou a crescente oferta de capital para soluções na Amazônia. “O que eu tenho percebido é que nunca houve tanta oferta de capital, tão determinada a colocar capital na Amazônia e em soluções baseadas na natureza, como agora”.
Felipe Russo trouxe a visão do Meraki Impact, que trabalha para alinhar o portfólio de investimentos ao impacto socioambiental, enfatizando a necessidade de enfrentar o medo de inovar nos mecanismos financeiros. “Tudo o que ouvimos na mesa anterior, estamos tentando colocar em prática, sempre nos questionando sobre essa relação de risco e retorno. Acreditamos que o verdadeiro risco é não fazer investimento de impacto; o perigo está em continuar fazendo as coisas do jeito que sempre foram feitas”, concluiu.
Conexões Inovadoras
Foto: Take/FIINSA
No painel Conexões Inovadoras: Construindo Relações Prósperas entre Empresas e Comunidades no Interior da Amazônia, mediado por Juliana Dib, diretora executiva do Instituto Conexão Povos da Floresta, os participantes exploraram formas de criar vínculos significativos entre empresas e comunidades locais.
Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes, enfatizou que qualquer relação significativa precisa garantir a preservação dos territórios e respeitar os modos de vida locais, ressaltando que a base de tudo é uma conexão sólida entre as próprias comunidades: “Não adianta buscar uma relação com empresas ou governo se a própria comunidade não está organizada e unida. A relação interna é que vai dar força para as próximas etapas”, pontuou.
Carolina Domenico, gerente de Relacionamento e Suprimento de Sociobiodiversidade da Natura, destacou que uma relação com as comunidades exige tempo, confiança e transparência, afirmando que a empresa busca construir relacionamentos que gerem valor mútuo. “Fortalecer as organizações de base é essencial. Atuamos com assessoria técnica para melhorar práticas de produção no campo e apoiamos o desenvolvimento organizacional para que as comunidades possam crescer em sua capacidade produtiva”, recomendou.
Aline Souza, sócia do escritório de advocacia SBSA, falou sobre projeto Contratos Justos na Amazônia, que visa criar acordos comerciais claros e equitativos entre empresas e comunidades, que resultem na redução de assimetrias e melhorem a vida das pessoas e do meio ambiente, garantindo um impacto positivo real. “Contrato não é apenas um pedaço de papel; ele pode ser a segurança jurídica daquela relação e, mais do que isso, pode ser um instrumento para a justiça social e climática”, alertou.
Bia Saldanha, diretora executiva da marca Amazônia Meu Amor, expressou que empreender e investir na Amazônia requer uma conexão lógica e amorosa com a floresta e os povos que a habitam, reforçando que esses valores são fundamentais para que essas relações prosperem. “Quando você vai empreender na Amazônia, investir na Amazônia, comprar, vender, produzir na Amazônia, ou você faz isso com amor, com devoção a algo que realmente tem que fazer muito sentido para você, ou então nem venha”, concluiu.
Sobre o 3º FIINSA
O 3º Festival de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis é uma realização do Idesam e do Impact HUB Manaus. Tem patrocínio do BID, Fundo Vale, ICS, Mercado Livre, BNDES, Grupo Rede Amazônica, Instituto Sabin, Natura, Instituto Meraki, Instituto Arapyaú, Marjom, Estúdio Moi, Vox, JBS Fundo Pela Amazônia, Amazônia em casa Floresta em pé, PPBio e AIC.
Entre os parceiros institucionais e estratégicos estão as iniciativas Saúde e Alegria, NESST, LATIMPACTO, Centro de Empreendedorismo da Amazônia, FAS, Imaflora, Assobio, Jaraqui Valey, Aquiri Valley, Tucuju Valley, Tambaqui Valley, Ashoka, Impact Hub Brasil, Felicidad Collective, Academia Amazônia Ensina, Climate Ventures, Foresti, Amazônia Agroflorestal, Sitawi, Conexão Povos da Floresta, Bemol, Singulari e Banzeiro.